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Geral

Teatro: Quando as máquinas param

A primeira versão da peça Quando as máquinas param foi escrita por Plínio Marcos em 1963, um ano antes do golpe militar. A estreia de sua versão definitiva, já com este título bastante sugestivo, aconteceu em 1967.


Parece que não havia um momento melhor para a estreia desta encenação de Quando as máquinas param dirigida por Adriano Merlini. O casal Nina e Zé se amam e tentam construir sua vida. Nina faz trabalhos de costura e Zé está há algum tempo desempregado, procurando alguma oportunidade de trabalho em um momento em que o Brasil passa por um alto índice de desemprego. Já ouvi algumas histórias parecidas em 2018.
Coletivo Maquinário: Luísa Vilhena, Adriano Merlini e Bruno Lourenço
Percebe-se que Plínio Marcos, nesse texto, conseguiu apresentar de forma certeira o que é o Brasil do começo de década de 60, a partir desses dois personagens, que devem lembrar bastante as questões familiares que nossos avós tinham, e se não fosse pelo detalhe de que Nina ouve as novelas pelo rádio e o sonho de consumo desse casal é uma televisão…seria até possível pensar que essa peça foi escrita recentemente falando do Brasil de hoje.
A encenação aproveita e joga com as semelhanças entre o contexto político da peça de 1963 e o nosso contexto atual. Quem ganha é o público.
Zé é louco por futebol, torcedor fanático do Corinthians. A peça está dividida em quadros que acompanham as idas e vindas de Zé, entre a busca por um emprego e os jogos de futebol, as partidas que ele joga com os meninos do bairro ou acompanha em algum bar próximo dali. Plínio Marcos, mais uma vez, mostra nessa peça uma personagem feminina batalhadora, apontando criticamente a distribuição de papéis sociais da mulher e do homem.
Nina (Luísa Vilhena)

Aparentemente as ações da peça são simples e o que me pareceu impressionante é encenação proposta pelo Coletivo Maquinário, extremamente inventivo, encontrando poesia na crise deste casal.
A primeira imagem da peça é o casal arrumando a casa com um samba das antigas como trilha sonora. Todo o cenário da casa é um balcão com portas/janelas com várias funcionalidades. O que me surpreendeu de imediato foram os figurinos, eles pareciam bonecos, e neste momento me preparei para assistir uma peça que trata dos problemas, mas sob uma estética delicada, uma peça bonita, agradável para os olhos. É bem possível que essa escolha da direção fomente ainda mais a reflexão sobre os temas tratados. Eu, ao menos, me senti cativada e puxada para a história de Nina e Zé já naqueles primeiros minutos de peça.
Como já mencionei, o texto do Plínio Marcos é bem claro e objetivo e ainda assim essa encenação consegue ampliar os sentidos do texto com uma trilha sonora impecável. O texto das músicas, muitas vezes diz o que parece estar dentro dos personagens, expressando suas emoções que não estão verbalizadas, ao mesmo tempo que embala o público e nos conduz ainda mais profundamente para dentro da história.
A encenação proposta por Adriano Merlini potencializa as trocas de cenas, e aproveita os entre quadros, não só com a trilha sonora mas também com coreografias que expressam o cotidiano do casal. É perceptível a sensibilidade e harmonia do trabalho de Luísa Vilhena e Bruno Lourenço.
Zé (Bruno Lourenço) 
Em algum momento, temos uma quebra de cena em que Zé, ou Bruno Lourenço (assista a peça e tire suas conclusões) canta o RAP “A Cola da Prova que Nunca Foi Dada” que está intimamente conectado com o texto de Plínio Marcos e as pautas dos movimentos sociais em 2018. São 55 anos de distância aproximados naqueles minutos de RAP, entre um quadro e outro de uma peça escrita por um autor que muitas vezes é considerado marginal. Considero este entre-quadros, um dos pontos mais altos da peça pela grande quantidade de sentidos e sensações que este momento consegue atingir.

É possível que a obra de Plínio Marcos tenha fama de marginal justamente por tratar das questões daqueles que estão à margem da sociedade, e talvez por isso, tenha tanto para nos dizer, tantos anos depois. Ítalo Calvino quando fala sobre o porquê de ler os clássicos menciona que “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Quando as máquinas param, de Plínio Marcos, ainda não terminou aquilo que tinha para dizer.
É possível que estejamos vendo o nosso presente repetindo o passado e é por isso que essa encenação do Coletivo Maquinário é contundente na missão de dizer o que ainda precisa ser dito a respeito das questões sobre as quais ainda precisamos refletir.
Portanto, recomendo esta peça fortemente. Valorize a arte e a cultura brasileira.
Quando as máquinas param
Ficha Técnica:
Texto: Plínio Marcos ·
Direção: Adriano Merlini ·
Atores: Bruno Lourenço e Luísa Vilhena ·
Iluminação: Adriano Merlini e Nando Zâmbia ·
Cenografia: Carolina Arbex e Thiago Ramos .
Cenotécnica: José Roberto Tomasim .
Figurino: Thiago Ramos .
Trilha sonora: Bruno Lourenço e grupo .
Composição “A Cola da Prova que Nunca Foi Dada”: Bruno Lourenço ·
Produção executiva: Milena de Castro .
Produção administrativa: Luísa Vilhena e grupo .
Arte digital: Virgínia Vilhena .
Fotografia: Michel Igielka .
Operação de som e luz: Bianca Garcia
Classificação Indicativa: 14 anos

Últimas apresentações: 23 e 30 de novembro

Espaço Cia da Revista
Alameda Nothmann, 1135, Campos Eliseos
Próximo à Estação Marechal Deodoro
São Paulo, SP

Ingressos: https://www.sympla.com.br/quando-as-maquinas-param__399538

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1 Comentário

  • Responder
    Unknown
    2 dezembro, 2018 em 23:44

    Mayra
    Gostei muito de ler teu cometário. Eu assisti a peça no Teatro Adamastor PImentas…lá pelos tempos do pratepe…
    e me emocionei fortmente com a cena proposta.
    Eu gostaria muit de assistir de novo…e seria lindo no Adamastor Pimentas…
    Será que há novas temporadas em vista?
    E será que conseguiriamos recebe-los, mais uma vez em nosso teatro, em 2019?
    bj
    m

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