Sem Gentileza- Futhi Ntshingila
agosto 28, 2017
“Para as crianças que
vivem às margens da sociedade e que passam por dilemas colossais. As suas vozes
são importantes”. Esta é a dedicatória que nos deparamos ao abrir o livro e só
com ela, já se pode ter uma boa noção do que será encontrado na narrativa: algo
marcante, que nos fará refletir sobre a situação das crianças, especialmente as
mulheres, em uma sociedade extremamente machista.
“Escolhem uma mulher que não os desafie para que possam ter uma vida confortável e previsível. Escolhem alguém para cozinhar, cuidar do lar e satisfazer suas necessidades físicas; alguém que os aceite como provedores e que irá simplesmente lhes retribuir com amor e admiração” (p.58-59).
Em "Sem Gentileza", vamos
conhecer Zola e Mvelo, mãe e filha que passam por uma situação de
vulnerabilidade social, principalmente depois que a bolsa auxílio-doença que
Zola recebia foi suspensa. A mãe, portadora do vírus HIV, passa a depender cada
vez mais da filha, que com apenas quatorze anos, precisa assumir
responsabilidades de uma adulta e para tal, desiste da escola e de seu sonho de
virar cantora. As duas moram em um barraco no meio da favela, em uMkhumbane, na
África do Sul, e comem o que conseguem encontrar no lixo.
O livro parte do
momento presente para retomar o passado e assim o leitor entender como elas
chegaram na situação atual. Desse modo, vamos saber como Zola ficou grávida de
Mvelo e de como sua família reagiu à gravidez, como, depois de tanto
sofrimento, conheceu Sipho, um advogado de respeito, que, apaixonado, se dispôs
a cuidar de mãe e filha e foi um bom marido e pai por seis anos, até que
conheceu Nonceba, uma colega de trabalho afro-americana, dona de uma beleza que
impressiona a todos, principalmente a Mvelo, que em respeito à mãe, luta contra
a admiração que sente pela nova mulher, ainda mais porque ela é a responsável
por afastar Sipho de sua vida.
“Uma vida nova tem o poder de fazer mesmo os corações mais frios se esquecerem de tudo” (p.86)
Nonceba foi uma personagem
que inicialmente dividiu meus sentimentos porque ela, ainda que não
intencionalmente, separou o Sipho da Zola, mas depois ela se tornou minha
personagem favorita, ao se mostrar uma mulher determinada, crítica e consciente
de sua ancestralidade e da importância da representatividade para as meninas
negras.
Estupro é uma
realidade social que as meninas têm que enfrentar, tanto que como forma de
prevenção, principalmente das doenças sexualmente transmissíveis, são obrigadas
a fazerem exames regularmente para provarem que ainda são virgens, dependendo
do resultado são julgadas pelas próprias enfermeiras, ou se tornam alvos fáceis
dos estupradores.
A narrativa em
terceira pessoa é direta, por vezes simples, mas sempre impactante e
surpreendente. Não precisa de floreios da linguagem para dizer o que se quer
dizer, vai direto ao ponto.
“Não é assim mesmo, aqueles que mais amamos são os que mais nos machucam?” (p.116).
Gostei muito do
final, do modo como as histórias vão se entrelaçando, me faz ter em mente
aquela ideia de que o mundo é realmente um lugar muito pequeno, em que as
histórias de vidas não estão muito distantes uma da outra, há sempre alguma
conexão que as liga, e eu, particularmente, acho isso mágico e impressionante.
Os personagens com
uma grande carga psicológica, o retrato da realidade de um lugar no continente africano,
mas que pode muito bem ser transposto para o Brasil, mulheres fortes e determinadas,
a conectividade entre as histórias, são só alguns dos motivos que fazem essa
leitura ser imperativa para quem almeja uma leitura sensibilizadora e crítica.
Caso haja interesse no livre, compre por esse link e ajude o blog:
1 comentários
Me interessei bastante, vou procurar na Bienal!
ResponderExcluirObrigada pela visita e pelo comentário :)
Se você for blogueiro, retribuirei a visita assim que possível.