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Bichinhos de estimação na literatura.

Li recentemente dois livros em que há algo em comum entre eles: uma cadelinha.
Os livros são: “A insustentável leveza do ser”, do Milan Kundera e “Vidas secas”, do Graciliano Ramos. Então pensei em fazer uma comparação entre as duas cadelinhas.

Em “A insustentável leveza do ser, a cadelinha se chama Karenin. Ganhou esse nome porque sua dona tinha um livro chamado “Ana Karenina”, do Tolstoí e depois de testarem vários nomes relacionados ao livro, se decidiram por este.

“Às seis horas o despertador tocou. Era a hora de Karenin. O cão acordava  sempre bem antes deles, mas não ousava incomodá-los. Esperava impacientemente a campainha do despertador tocar, o que lhe dava o direito de subir para a cama deles, pisar sobre seus corpos e enfiar neles o focinho. No começo tinham tentado impedir que isso acontecesse, mas o animal era mais teimoso do que os donos e acabara impondo seus direitos.”

Karenin sempre esteve muito presente na rotina de sua dona. Ia até pata o trabalho com ela. Quando sua dona ia comprar pão também ia junto e ainda ganhava um agrado.

“No momento, karenin esperava na entrada, os olhos levantados para o cabide onde estavam penduradas a coleira e a trela. Tereza colocou a coleira e ambas saíram para fazer compras. Comprou leite, pão, manteiga, e como sempre um croissant para Karenin. No caminho de volta, Karenin andava ao lado dela com o croissant na boca. Olhava orgulhosamente à sua volta, encantada sem dúvida de ser apontada com o dedo de se fazer notar.
Em casa, com o croissant na boca, ficou à espreita na porta do quarto, esperando que Tomas percebesse sua presença, abaixasse, começasse a ralhar e fingisse querer lhe tirar o croissant.
Essa cena repetia-se todos os dias. Ficavam uns cinco minutos correndo um atrás do outro até que Karenin se refugiasse embaixo da mesa e devorasse rapidamente o croissant”.

Era uma cadela urbana, da cidade. Porém, quando seus donos Tereza e Tomas, mudaram de casa e passaram a viver em um meio mais rural, Karenin se adaptou com facilidade. Até ajudava na organização dos animais.

“Karenin ia sempre com ela. Aprendera a latir para as vaquinhas quando elas ficavam mais agitadas e começavam a se distanciar do rebanho; sentia com isso grande prazer”.

Ela ficou doente. Seus donos perceberam que estava mancando e decidiram leva-la ao veterinário.

“Karenin mancava da pata esquerda. Tomas abaixou e apalpou o lugar. Descobriu um pequeno caroço em sua coxa”.

Descobriram que ela estava com um câncer. E estava sofrendo. Já não conseguia andar normalmente, não se animava para passear e gemia muito. seus donos acharam melhor lhe poupar de toda essa dor.

” Os cães não tem muita vantagem em relação ao homem, mas uma delas é extremamente importante: para eles, a eutanásia não é proibida por lei; o animal tem direito a uma morte misericordiosa. Karenin andava com apenas três patas, e passava a maior parte do tempo deitada num canto. Gemia”.

Mas permaneceu na memória de seus donos de forma muito afetuosa.

“Karenin dera à luz dois croissants e uma abelha (…) Era um sonho que Tereza acabara de ter”.

Em “Vidas secas”, a cadela retratada é Baleia. Ela já está presente no livro desde o início da narração. acompanha uma família de retirantes assolados pela seca nordestina. Quando se estabelecem em uma fazenda, Baleia permanecia calma, observadora e ajudava na caça.

“Nesse ponto Baleia arrebitou as orelhas, arregaçou as ventas, sentiu cheiro de preás, farejou um minuto, localizou-os no morro próximo e saiu correndo”.

Era uma cadelinha amada e companheira. Ainda que às vezes levasse umas chineladas.

“Baleia detestava expansões violentas: estirou as pernas, fechou os olhos e bocejou. Para ela os pontapés fatos desagradáveis e necessários. Só tinha um meio de evita-los , a fuga. Mas às vezes apanhavam-na de surpresa, uma extremidade da alpercata batia-lhe no traseiro – saía latindo, ia esconder-se no mato. Com desejo de morder canelas.

E é uma cadela tão inteligente. É conferida a ela características humanas o que é chamado de humanização.

“…Espiava os movimentos das pessoas, tentando adivinhar coisas incompreensíveis . Agora precisava dormir, livrar-se das pulgas e daquela vigilância a que a tinham habituado”.

Seu destino final também foi ser poupada do sofrimento.

“… Pensou na mulher, nos filhos e na cachorra morta. pobre baleia. Era como se ele tivesse matado uma pessoa da família”.

Achei as duas muito parecidas. Ambas estavam sempre presentes para ajudar os donos. Baleia ajudava caçando preás e os trazendo para casa a fim de dividir com a família. Karenin sempre foi uma espécie de apoio emocional para Tereza, e quando Tomas presenteou Tereza, foi para que ela não se sentisse sozinha.
Ajudavam na organização dos rebanhos. Baleia agia como um cão pastor. Karenin ajudava no pasto tinha que juntar as vacas.
Infelizmente as duas tiveram que ser poupadas por seus donos em decorrência de uma doença. Karenin adoeceu com um câncer, foi operada, mas o câncer não retrocedeu. Para que ela não continuasse a sofrer, seus donos colocaram um fim em sua dor, mas também sofreram muito com a decisão. Com Baleia, foi a mesma coisa; não por causa de um câncer, mas a doença fez com que ela morresse também; uma morte triste e lenta.

Bem pessoal, ficou bem longo, mas é isso.
O post mais longo que escrevi desde que comecei aqui no blog.

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